data-filename="retriever" style="width: 100%;">O direito sucessório tem raízes históricas de discriminação em relação à mulher. No sistema patriarcal, a filha era submetida à autoridade de seu pai que a passava para seu marido e, com a viuvez, ficava sob a tutela de seus próprios filhos ou dos parentes mais próximos. Como regra geral, não detinha nenhum direito à herança. Até um período mais recente, persistia a centenária prática hindu que levava as mulheres "honradas" a se suicidarem com o falecimento do marido.
Mesmo na atualidade, em algumas culturas, a viuvez significa exílio, vulnerabilidade e abandono. No Brasil, a antiga legislação civil restringia direitos para as mulheres que se casassem novamente, inclusive com a penalidade da perda dos direitos sobre seus filhos "do leito anterior".
Séculos se passaram e essa cultura de inferioridade ainda vem à tona no momento da viuvez feminina, especialmente por ocasião do inventário. Os herdeiros descendentes tendem a interferir no processo sucessório e na administração dos bens do espólio, até mesmo se opondo à qualidade preferencial do cônjuge sobrevivente para o exercício da inventariança.
Ainda que a legislação e a jurisprudência tenham valorizado os direitos dos viúvos, o estranhamento desse tratamento privilegiado ainda ocorre, tornando visível o preconceito histórico e expondo a cultura de que os descendentes se consideram antecipadamente "proprietários" dos bens de seus genitores. Esse tratamento é mais presente e visível quando o cônjuge sobrevivente é a mulher.
O direito de habitação sobre o imóvel residencial, previsto expressamente na lei, muitas vezes é desrespeitado, exigindo-se até mesmo a partilha dos próprios bens móveis que guarnecem a moradia da viúva. É comum, ainda, que os filhos venham a constranger a mãe para que proceda a doação dos bens que lhe restaram, sob a alegação de evitar o litígio familiar após a sua morte.
Seguindo uma tendência mundial, a partir de 2002 o Brasil ampliou os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente. Em 2017, o STF estendeu esses mesmos direitos para as relações de união estável. Dessa forma, com exceção dos casais que adotavam os regimes da comunhão universal de bens ou o da separação obrigatória, quando os descendentes são os herdeiros, o viúvo e a viúva também têm direito hereditário sobre os bens particulares deixados pelo cônjuge falecido. No caso dos herdeiros serem os ascendentes, o sobrevivente herda em concorrência com eles sobre toda a herança, e se apenas existirem parentes colaterais do falecido, ele é o herdeiro único.
O fim de uma comunhão de vida pela morte traz o luto e tristeza para a parceira sobrevivente, mas não pressupõe a sua incapacidade. Os herdeiros, ainda que não sejam descendentes da viúva, devem respeitar a companheira de vida escolhida pelo falecido, aquela que o acompanhou até o seu momento derradeiro. A viuvez não deve ser entendida como sinônimo de vulnerabilidade, mas sim ser dignificada e respeitada em todos os seus direitos.